
MÚSICA
JOÃO GIL

Antes de nós, e desde sempre que o Universo se move e os astros se movimentam em expansão permanente. A vida surge na Terra respeitando as regras desse mesmo Universo; a gravidade que nos leva para a terra e o movimento ascendente que dela surge de novo para mais uma vida. E assim sucessivamente.
Esta realidade produz ruído, e sons organizados, que vão desde a fala dos animais à água que cai em cascata, ao vento que sopra nas árvores, e aos pardais que vivem nelas e cantam ao mesmo tempo numa fala contínua, criando uma massa sonora coletiva: o ruído do mundo.
Os seres humanos, dotados dum cérebro que organiza e consegue antecipar o dia de amanhã, desde cedo começaram a organizar os sons e as cadências rítmicas em relação contínua com o silêncio e as pausas: a música.
A música acompanha-nos no trabalho, para que a força aplicada produza melhores resultados. Acompanha-nos na elevação espiritual, na procura do brilho e da luz interior.
Desde que me conheço que conjugo e organizo os sons na minha cabeça, numa relação com o exterior cósmico e com os ruídos do mundo. Tudo me serve de inspiração e tudo é informação útil. Esses sons organizados em sequências melódicas e harmónicas, traduzem estados de espírito que podem ou não ter palavras.
Foi neste pressuposto, e no turbilhão das ideias musicais que me assaltam, que me apercebi de que tinha guardadas muitas sequências e puzzles musicais abandonados e sem dono.
Por que a vida é de facto quântica, ela alinha caminhos e pedras que os amigos vão espalhando em redor, associadas às raízes moçambicanas da Ana (Mesquita), e de repente, por admiração artística e humana, estávamos os dois a falar com o Mia (Couto) e a desenhar em conjunto aquilo que viria a ser a Viagem pelo Esquecimento.
A escrita do Mia está carregada de sons e falas do seu universo. Transborda de música por todos os lados. As imagens e as palavras que escreve, suam odores tão fortes e espessos que dificultam a intromissão de sons intrusivos. Assim descobri um dia que o trabalho a fazer com o Mia teria de ser um encontro de linguagens numa ideia comum e central. O escritor deu-lhe o titulo de Viagem pelo Esquecimento, como se ele, ao ler o que está antes de todos os nossos gestos, hábitos e ações, nos desse a compreensão do Mundo, assim de-mão-escrita-e-beijada.
As imagens que a Ana soube conceber, bem como todo o conceito artístico que é subjacente, fê-la juntar os artistas que sublimam esta nossa enorme banda-sonora que agora nos rodeia por todos os lados, porque nos acompanha num cuidadoso progresso há quatro anos.
Do meu lado rodeei-me duma equipa extraordinária de músicos e técnicos que foram capazes de construir esta arca musical.
Destaco o enorme e inspirado trabalho de arranjos do Luís Figueiredo, dotado de uma energia vibrante que envolveu e motivou todos os músicos que nela participaram.
Um agradecimento muito especial a todos os que deram a alma da sua voz única a cada um dos doze temas.
Esta Viagem traduz um caminho há muito começado que convém nunca esquecer.
É a Arca de todos nós.
João Gil