
VÍDEO-ARTE
ANA MESQUITA

Volvidos quase quatro anos desde o inicio da criação da obra Viagem Pelo Esquecimento, é com enorme prazer que vamos apresentar, pela primeira vez, ao publico, no dia 2 de Abril de 2022, no MAAT Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa.
O que nos motivou a ligar a música e a poesia à vídeo-arte?
Uma banda-sonora incrivelmente composta pelo João e arranjada pelo Luís Figueiredo, e depois o estímulo humanista da poesia original de Mia Couto, dita por vozes como a dos músicos Maria Bethânia, Manuela Azevedo, Carlão e João Gil, dos atores Diogo Infante e Natália Luiza e do radialista Fernando Alves, às quais se juntam a minha voz.
Motivou-nos o sonho de criar uma instalação, conscientes do esforço de produção que implica, mas certos do êxito na captação dos espectadores de todas idades e na possibilidade de fazer passar a mensagem da Viagem Pelo Esquecimento nos mais diversos veículos de transmissão: desde TV (nacionais e internacionais) até aos espaços públicos – museus, anfiteatros, galerias, hangares, etc – onde se possam montar ecrãs de grandes dimensões (ao ar livre, inclusive) e um PA que faça jus ao som produzido, criando o conforto necessário para que os espectadores usufruam calmamente deste encontro de artes.
Sabendo de antemão que não queria ir pelo caminho do cinema ou do documentário óbvio, optei então por dividir os temas por diferentes perspetivas estéticas, orientando os autores com pistas, dando-lhes liberdade para se expressarem dentro de parâmetros que são o invisível fio-condutor do conceito da Viagem: convocar o espectador a uma reflexão sobre o que pode ser a sua/nossa pegada no planeta. Acordar os sentidos e o pensamento. Otimizares-lhe o espirito, fazendo-o sonhar e se possível, como costuma dizer o João, “eleva-lo aos céus”: a maiores das aspirações da arte.
Para tal procurei fotógrafos e cineastas de maneira a criarmos aquilo a que chamei um “esqueleto esquisito”, que compõe a vídeo-art da instalação, realizada por:
*Ana Mesquita _ ANTES DE NÓS _ O AMOR _ CAMINHADA
*Isabel Nolasco
Maria João Rodrigues
Mariana Teixeira _ CIDADES
*António Proença de Carvalho _ O RETRATO
*Henrique Blanc _ O AMOR
*Pedro Senna Nunes _ MULHERES _ ESCRAVOS
*Sebastião Albuquerque _ LARGO HORIZONTE _ DEPOIS DE NÓS.
*Vasco Pinhol _ VOO DO FALCÃO _ MIGRANTES _ CAMINHA
Deste modo, repartindo o processo criativo por diferentes métodos e olhares – sem que qualquer um deles conhecesse o trabalho dos restantes membros da Viagem – abstratizámos a sequência de vídeos que ilustram a música e as palavras. Na montagem procurámos fazer divergir as imagens da narrativa dos poemas, ilustrando os temas através de diversas formas de expressão audiovisual, mantendo uma preocupação documental, fazendo o que Mia Couto nos sugere no seu pensamento profundo e escrita carregada de ancestralidade, num constante apelo à memória do que fomos como Humanidade, em relação às mulheres, escravos, antepassados, planeta, Migrantes, Cidades, à Vida e ao Amor.
O resultado destes doze vídeos é, todavia, algo documental traduzido num registo artístico. Não sendo cinema, acabada por ter um enredo. Todos os vídeos apelam à consciência de quem fomos, e convidam a uma postura ecológica, representando a História de Homem de um modo poético e apaixonado e navegando depois nessa espécie de amnésia em que a mente mergulha face ao estímulo multissensorial da instalação.
É precisamente nesse estado, nesse limbo entre a ficção e o documentário, que o observador está pronto para decidir que tipo de reflexão fará após cada tema e ao longo dos 55’ de duração da Viagem Pelo Esquecimento. O sumo dessas reflexões será a recompensa máxima da nossa entrega.
Nesta instalação, os três ecrãs competem pela atenção do espectador, obrigando-o a decidir-se instantaneamente por que caminho seguir. Este cenário de alternativas traduz o modo como temos vivido nas ultimas décadas: num continuo multi-task. Aprendemos a usufruir da informação e do entretenimento no desafiante embaraço da escolha.
Quando agora assistirmos à Viagem Pelo Esquecimento poderemos optar por nos deixar levar apenas pela cena que decorre num dos ecrãs, e no entanto, a verdade é que o nosso cérebro ginasticado acabará por se divertir, juntando e dançando com todas as partes, numa espécie de jogo sobre o que conseguirá, ou não, reter dos três ecrãs.
Então terá o espectador de assistir a tudo de novo para compreender melhor a mensagem de vídeo-arte? a música, ou o poema, ou as entoações das vozes?
Neste dilema reside a novidade da formula da Viagem Pelo Esquecimento. É na ambiguidade das escolhas, e das emoções que elas criam que o espectador se deixa capturar por todo o movimento em seu redor. E o ideal é que efetivamente se deixe levar, embalado por cada acorde, cada nova voz, cada imagem do poema e cada frame do video.
Nessa relação intensificada por múltiplos estímulos reside a magia e a surpresa que cativa o espectador até ao fim. Não sendo cinema, procura ter a mesma envolvência ampliada e caleidoscópica. Eis a Viagem que vos espera.